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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

 

© 2002 Harlequin Books S.A. Todos os direitos reservados.

A NOIVA DO XEQUE, nº 25 - Junho 2012

Título original: The Sheikh Takes a Bride.

Publicada originalmente por Silhouette® Books.

 

© 2002 Harlequin Books S.A. Todos os direitos reservados.

Rendição incondicional, nº 25 - Junho 2012

Título original: The Seal’s Surrender

Publicada originalmente por Silhouette® Books.

 

Publicados em português em 2004

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. as marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-0327-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversion ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo Um

 

 

– Tens toda a razão, Kaj – disse Joffrey Dunstan, conde de Alston. – É ainda mais bonita do que eu me lembrava.

O conde desviou o olhar da rapariga de cabelo castanho que era alvo das suas observações e deu um passo atrás no varandim, para olhar de frente para o grande salão de baile do palácio de Altária. Ali estavam reunidos mais de duzentos membros da realeza europeia, vestidos com sumptuosos trajes de gala, mas para ele era como se não existissem: não lhes tinha prestado a menor atenção.

Em vez disso, contemplou com uma expressão assombrada o seu amigo, que se escondia entre as sombras para passar despercebido.

– Mas tanto quanto para te casares com ela… não podes estar a falar a sério.

O xeque Kaj al bin Russard ergueu uma das suas carregadas sobrancelhas com um ar de surpresa.

– E porque não?

– Bem, já sabes… – começou a dizer o sempre diplomático Joffrey, pigarreando antes de continuar. – De certeza que estás consciente de que a princesa Catherine tem uma certa… reputação. E o testamento do xeque Tarik é muito claro.

– Tenho que casar-me com uma virgem de sangue azul – respondeu Kaj com uma careta. – Não me esqueci das instruções do meu pai, primo. Mas permite-me que te recorde que, apesar da sua reputação, não é por acaso que a Catherine lhe chamam a princesa de gelo…

– Suponho que tenhas razão, mas…

Os olhos cinzentos de Kaj admiraram uma vez mais o cabelo castanho e a delicadeza dos ombros da mulher com quem pretendia casar-se, antes de voltar a dedicar toda a sua atenção ao seu parente favorito.

– Se isso te tranquiliza, Joff, posso-te dizer que fiz algumas averiguações. Talvez a princesa seja um pouco provocante, mas não é parva nenhuma. Posso assegurar-te que a sua virtude permanece intacta. Pelos vistos, aquilo de que realmente gosta é de manter os seus admiradores na linha.

– Ou seja, começas a encará-la como um desafio – disse Joffrey, abrindo muito os olhos, como se de repente compreendesse tudo.

– Já que tenho que me casar, pelo menos vou divertir-me um pouco durante o namoro – respondeu Kaj, encolhendo os ombros. – Não achas?

– Não, para dizer a verdade, não – replicou o outro homem. – Pelo menos não se isso implica excluir outras questões mais importantes, como a compatibilidade, o respeito mútuo e a compreensão. Também ajuda ter valores coincidentes. E claro, o amor.

Uma súbita vaga de embaraço tingiu de vermelho as faces do conde quando pronunciou esta última palavra, mas isso não o impediu de rematar a frase.

– Não se trata de conquistar um trofeu, Kaj. Mas sim da tua vida, do teu futuro. Da tua felicidade.

– Achas que eu não sei isso? – perguntou o xeque com brandura. – Confia em mim. Não faço tenções de repetir os mesmos erros dos meus pais.

Joffrey era uma das poucas pessoas que sabia o preço que Kaj tinha tido que pagar pelo casamento desastroso e o amargo divórcio que se lhe seguiu, entre Lady Helena Spenser e o xeque Tarik al bin Russard.

– Claro que não. Não foi isso que quis dizer. Apenas penso que esta não será a solução.

– E qual é então? – inquiriu Kaj. – Tendo em conta que a minha noiva tem que ser fisicamente imaculada, que outras oportunidades me restam? Achas que me devia casar com uma dessas jovenzinhas trémulas que a tua mãe insiste em colocar no meu caminho? Ou que devia comprometer-me com a filha insuspeita de algum chefe de tribo do meu país, uma rapariguinha inocente que construiria toda a sua vida em função de mim?

Kaj soltou um profundo suspiro antes de prosseguir.

Não é isso que eu quero, Joff. Quero uma mulher que seja pragmática o suficiente para encarar a sua união comigo como uma relação de que ambos podemos beneficiar, não uma menininha romântica que se apaixone desesperadamente por mim e espere que eu realize todos os seus desejos e todas as suas necessidades.

– Bem, se te serve de consolo, duvido seriamente que a princesa Catherine te venha a maçar com o seu excesso de adoração – respondeu o conde, encolhendo os ombros. – Ao contrário do resto das mulheres deste planeta, ela nunca pareceu prestes a desmaiar quando tu entras na sala. E embora, segundo as tuas informações, continue a ser virgem, não me parece que seja o tipo de rapariga que se atiraria aos teus pés a suspirar de amor. Para dizer a verdade, acho que já é uma sorte se conseguires que ela aceda a um encontro.

Ao dizer estas palavras, o conde voltou a observar o salão de baile, e Kaj fez o mesmo. O novo rei de Altária, Daniel Connelly, estava prestes a fazer a abertura do baile com a sua esposa, a rainha Erin. Mas interessou-lhe mais verificar como a fila de admiradores da princesa Catherine tinha crescido em apenas alguns minutos.

Sentiu uma irritação inesperada quando um daqueles jovens petulantes lhe disse qualquer coisa que a fez rir. Prometeu a si mesmo que acabaria brevemente com aquelas familiaridades, mas recusou-se a morder o isco que lhe tinha lançado o seu primo.

Catherine seria sua. Tinha investido muito tempo decidindo qual seria a melhor escolha e, de uma maneira ou de outra, ele conseguia sempre o que queria.

– Agradeço a tua preocupação, Joffrey, mas tenho a certeza de que vai tudo correr bem.

– Sim, é claro. Só espero que não contes com um resultado rápido porque, pelo que parece, não será fácil aproximares-te dela, quanto mais levá-la ao altar.

– O prazo é de um mês.

– Não achas pouco? – indagou Joffrey, céptico.

– Garanto-te que Catherine de Altária irá parar à minha cama e será minha esposa no prazo de trinta dias – insistiu Kaj.

– À tua cama? Isso não iria de encontro aos desejos do teu pai?

– A minha noiva deverá vir casta para mim, não depois de mim! – lembrou Kaj com ironia.

– Se estás tão certo de ter sucesso, porque é que não fazemos uma aposta?

– O que quiseres.

– Sabes que eu invejo o teu cavalo.

– Será teu, se ganhares. Mas prepara-te para me entregar aquele Renoir que ando a cobiçar há anos, cada vez que entro na tua sala de estar em Alston. Será o meu presente de casamento para Catherine.

Joffrey não esperava uma exigência tão alta, mas não era homem para recuar perante um obstáculo. Principalmente porque era o mentor daquela ideia.

– Muito bem. Desejo-te sorte. Na minha opinião, vais precisar.

O xeque sorriu, divertido, pela primeira vez naquela noite.

– Obrigado, Joffrey, mas não se trata de sorte e sim de habilidade. – Ele olhou para Catherine e piscou o olho ao primo. – Com licença. De repente, senti uma vontade irresistível de dançar.

Joffrey deu um passo atrás e fez uma vénia.

– Como já disse, boa sorte para a tua tarefa.

 

 

– Por favor, Alteza, tenha piedade de um pobre admirador e conceda-me esta dança.

Catherine tentou sorrir da táctica do homem que estava ao seu lado, mas não conseguiu. Precisava de ter paciência, dizia a si mesma desde o início do baile. Não podia perder a calma. Não quando a noite prometia ser o sucesso que todos esperavam.

Era Primavera e a temperatura estava agradável. Os copos, taças e enfeites de cristal brilhavam como borboletas iridescentes e o perfume das flores tornava o ambiente deliciosamente fresco e suave. A orquestra estava perfeita. Homens e mulheres elegantes conversavam ou dançavam animadamente. Principalmente os seus convidados de honra, o primo Daniel e a sua esposa, Erin, reis de Altária, pareciam estar divertidos.

Dançavam com um sorriso nos lábios e olhos nos olhos. A sensação que transmitiam era de tanta felicidade que, por um instante, Catherine sentiu uma inesperada pontada de inveja.

Como seria sentir-se íntima de alguém? Aos vinte e quatro anos de idade, ela nunca tinha confiado em ninguém. Nem sequer nos seus pais, que a tiveram sem a desejar e a trataram como se fosse um estorvo.

A única pessoa de quem recebeu amor foi da avó, a rainha Lucinda. Após a sua morte, Catherine ficou completamente só. O seu séquito de amigos não contava. Nenhum deles a estimava por quem era. As suas demonstrações de afecto eram apenas uma fachada.

Mais de uma vez, Catherine pensou como teria sido sua vida se tivesse nascido e permanecido Catherine Rosemere e não a princesa Catherine Elizabeth Augusta. Em seguida, a voz da sua consciência acusava-a por se sentir infeliz quando vivia cercada de luxo e da nata da sociedade, se alimentava das mais finas iguarias e vestia as mais caras roupas.

– Por favor, conceda-me esta dança, bela princesa.

Catherine foi trazida de volta ao presente pela reiteração do convite. Antes que tivesse oportunidade de responder, o homem inclinou-se e depositou um beijo na sua mão.

Foi a gota d’água.

Catherine retirou a mão de maneira brusca.

– Eu já lhe disse que não estou disposta! Quantas vezes terei de repetir?

O jovem pestanejou, obviamente chocado com a rudeza da resposta. Fez uma vénia, pediu mil perdões e afastou-se.

Catherine sentiu uma pontada de remorso que não durou, no entanto, mais do que uma fracção de segundo. Michel tinha passado dos limites. Afinal de contas, aquela era a sua quarta tentativa.

Com um suspiro, Catherine verificou que o seu relógio de ouro e diamantes marcava apenas dez e meia. Ainda era cedo para uma retirada estratégica.

Estava precisamente a tentar descobrir uma maneira de fazer o tempo passar mais depressa, quando percebeu uma movimentação à sua volta. Ergueu os olhos e viu que as pessoas recuavam para dar passagem a um homem alto e moreno que exalava masculinidade por todos os poros.

Como acontecia sempre na presença do xeque, Catherine enrijeceu. Não entendia como as outras mulheres podiam suspirar pela atenção de Kaj al bin Russard. Ele era alto e atraente, é verdade, mas as suas maneiras reservadas e arrogantes incomodavam-na.

Era na sua direcção, porém, que ele caminhava.

– Alteza – o xeque cumprimentou-a com uma ligeira inclinação de cabeça a que ela correspondeu por educação.

– Desculpe-me por não lhe ter ainda apresentado os meus pêsames pela perda do seu pai e do seu avô.

– Obrigada. Eu recebi as suas flores.

– Gostaria de as ter entregue pessoalmente. – Ele voltou a inclinar a cabeça. – Podemos dançar? A próxima música será a «Opus 354» de Strauss.

O bom senso implorava a Catherine que dissesse que não, mas a curiosidade venceu-a.

– Como é que sabe?

– Porque pedi ao maestro que a tocasse. Sei que é a sua favorita.

Por uma razão inexplicável, Catherine sentiu-se desapontada. Há já dois meses, desde o acidente de barco que levara o seu pai e o seu avô, que a sua vida tinha mudado. Em breve, ela deixaria de ser a anfitriã da corte para ceder o seu lugar a Erin, a esposa do seu primo Daniel. Como se não bastasse, o xeque tinha decidido juntar-se à horda de admiradores que a queriam apenas pela posição que ocupava.

– Foi. Para sua informação, a minha favorita agora é outra.

– Nesse caso, poderá dizer-me qual enquanto dançamos. – Sem lhe dar tempo para recusar, Kaj segurou-a pelo pulso. O impacto do toque, por mais gentil que fosse, deixou-a sem reacção por um momento. Quando tentou reagir, era tarde demais.

– Solte-me – ordenou Catherine ao sentir que o xeque a segurava nos seus braços.

– Desculpe, mas não posso satisfazer o seu desejo – respondeu Kaj, com um sorriso. – Seria uma pena não aproveitarmos a oportunidade para dançar ao som desta música adorável. Além disso, estou ansioso para ver como se sente nos meus braços.

O atrevimento foi tão grande e inesperado que Catherine sentiu os seus olhos aumentarem de tamanho. Era a primeira vez que um homem ignorava uma ordem sua e que a perturbava com o calor de seu toque.

– Como ousa?

– Como não ousar, princesa? – o xeque conduziu-a por entre os pares. – Eu nunca me perdoaria se a mulher mais bonita do baile não dançasse a sua valsa favorita.

Mais do que o elogio, feito em tom de troça, foi a capacidade de deduzir que ela se sentia sozinha que a deixou indignada.

– Existe alguma razão para que insista em divertir-se à minha custa? – perguntou Catherine abruptamente.

Os seus olhos profundos pousaram por um interminável momento nos lábios rosados de Catherine. Para impedir que os visse tremer, Catherine precisou de reunir toda a sua capacidade de auto-controlo.

– Devia estar mais atenta. Divertir-me à custa das pessoas não é o meu estilo.

– O que espera ganhar com isso?

– Não é evidente? O prazer de sua companhia, é claro.

– Acredita realmente ser «essa» a melhor maneira de o conseguir?

– Não é?

– Não! Não gosto de ser controlada.

– Isso acontece com frequência? – perguntou Kaj, com ar inocente.

– Claro que não!

O xeque moveu os ombros. A sensação que ela teve foi de que precisaria de cravar os dedos nos seus músculos para não desabar. A perturbação aumentou.

– É uma pena – murmurou ele. – Talvez se devesse permitir essa experiência. Poderia vir a surpreender-se com o resultado.

Catherine pensou em responder, mas acabou por optar por apertar os lábios e ignorá-lo ou correria o risco de fazer uma cena. Para além disso, estava na altura de alguém dar uma lição àquele xeque arrogante.

Catherine virou a cara e fingiu esquecer-se de que estavam a dançar. Não podia imaginar que o xeque também tivesse decidido calar-se.

Num primeiro momento, o termo da conversa tranquilizou-a. Até que o silêncio a fez prestar atenção a outros detalhes.

Como a firmeza da coxa que se encostava às suas pernas conforme os passos da valsa. E a força da mão espalmada na base de sua coluna. Também havia o perfume que ele usava e que falava das noites escuras do deserto. Para não mencionar o calor que se desprendia do seu corpo másculo.

De repente, Catherine notou que se estava a sentir... estranha. Ora com calor, ora com frio, ofegante e trémula. Alarmada, tentou afastar-se e ele atraiu-a ainda mais contra o seu peito.

– Princesa?

– Sim? – A sensação de estranheza aumentou ao ouvir a sua voz.

– Descontraia-se. É demasiado adorável e inteligente para se recusar a admitir que as melhores coisas da vida são aquelas a que tentamos resistir.

Aquilo foi demais.

– Você, obviamente, se inclui entre essas «melhores coisas».

– Já que tocou no assunto, sim.

– Ora, faça-me o favor!

Kaj esboçou um sorriso de provocação.

– Que humor! Mas não é de admirar. As últimas semanas devem ter sido terríveis para si. Ainda não aceitou a ideia de perder o título de monarca de Altária, não é?

– Não sabe do que é que está a falar! – protestou Catherine. – Eu sempre soube que nunca teria direito ao trono e que, até que um novo monarca o ocupasse, seria apenas uma questão de tempo. Talvez não acredite em mim. Afinal de contas, não me conhece. Mas eu gosto de Daniel e tenho certeza de que será um excelente rei. O seu espírito moderno e o seu carácter firme farão bem ao país.

Para surpresa de Catherine, o xeque fez um movimento afirmativo com a cabeça.

– Também concorda?

– Sim. Já tive a oportunidade de fazer negócios com a Connelly Corporation e o seu primo causou-me uma óptima impressão como executivo. Não é Daniel que me preocupa, mas sim o que acontecerá consigo. Sei que não é fácil perder um pai. Mesmo que o seu não tenha sido dos melhores.

– Isso não lhe diz respeito – mal tinha começado a baixar a guarda, Catherine viu-se novamente obrigada a levantar o escudo. Com aquela observação, o xeque colocara tudo a perder. Quem era ele, afinal, para insinuar que havia alguma coisa de errado com a sua família? A não ser, é claro, que ele soubesse que o seu pai nunca fora amoroso com ela e que era viciado em cartas.

Como se não a tivesse ouvido, Kaj continuou:

– Perdi o meu pai há sete anos. Nunca fui o filho que ele desejava, da mesma maneira que ele nunca foi o pai de que eu precisava. Mas ainda sinto a sua falta.

O desabafo confundiu-a ao ponto de a deixar constrangida.

– Desculpe.

– Não peça desculpas. Embora ele já tenha partido, continua a complicar a minha vida.

– De que forma?

– Para subir ao trono, terei que me casar.

A revelação apanhou Catherine tão desprevenida que ela não soube o que pensar.

– Que desagradável.

– Foi o que me ocorreu ao início. Mas depois de ter escolhido a minha futura esposa, confesso que a exigência se tornou num desafio excitante.

A arrogância da afirmação fê-la franzir o rosto e responder com ironia.

– Os meus parabéns.

– Ela ainda não sabe. Mas em breve será informada.

Catherine estranhou o brilho que surgiu naquele olhar. Quando o decifrou, sentiu o fôlego faltar. «Posse». Uma suspeita terrível invadiu-a naquele momento e fê-la recordar tudo o que tinha acontecido entre eles naquela noite: a atenção inesperada, a insistência em dançarem, a revelação sobre o pai.

Era absurdo. Eles mal se conheciam.

A valsa terminou. Catherine olhou à sua volta em busca de uma salvação. Por sorte, o seu primo, o rei, estava a poucos passos de distância.

– Daniel!

O primo que acompanhava com o olhar o trajecto da esposa que se afastava, virou-se, surpreso.

– Catherine. Está tudo bem?

– Sim, é claro. Só te queria contar que falei com a tua mãe há pouco e ela quer que eu a visite em breve em Chicago porque Alexandra me escolheu para ser uma das suas damas de honor.

A expressão de Daniel tornou-se ainda mais preocupada. Catherine não costumava abordá-lo para falar sobre assuntos daquela natureza. E o seu tom costumava ser calmo e sereno, ao contrário do que ele acabava de ouvir. Porém, ao notar a presença do xeque, esboçou um leve sorriso.

– Kaj al Russard. Que prazer revê-lo!

– Majestade.

– Parece ser o responsável pela respiração ofegante de minha prima. Estavam a dançar?

– Tenho que admitir que sim.

Catherine sentiu que corava de raiva à troca significativa de olhares entre os dois homens.

– Daniel, preciso realmente de falar contigo – disse, séria.

– Nesse caso... – o rei pediu licença ao xeque com um gesto de cabeça.

O xeque fez uma breve vénia e não teve opção senão deixá-los a sós.

– Majestade. Princesa. Obrigado pela dança. Precisamos de conversar qualquer dia destes.

Não se ela pudesse evitar, pensou Catherine.

Capítulo Dois

 

 

– O que é que está a fazer aqui? – perguntou Catherine, surpresa e irritada, ao encontrar o xeque à mesa da sala de jantar do palácio, lendo o jornal como se fosse um membro da família.

– Bom dia, princesa. Como sempre, é um prazer revê-la.

Para não gritar de raiva, Catherine cerrou os dentes e tentou controlar-se. Não era normal ela ter aquele tipo de reacção. Devia ser a noite mal dormida aliada à notícia que recebera aquela manhã de que o seu cavalo favorito estava coxo. Como se não bastasse, ela estava atrasada para um compromisso por causa de uma reunião prolongada que acabara de ter com a sua secretária. E, é claro, a presença inesperada daquele homem que lhe complicava com os nervos como ninguém.

– Fale por si.

Ele já estava de pé quando ela respondeu.

– Sim, eu falo – confirmou ele com a maior calma do mundo, o que a deixou à beira de um colapso. Com o sol a emoldurá-lo, Kaj al bin Russard parecia um deus. Um deus pagão que era preciso evitar a qualquer custo.

– Eu fiz-lhe uma pergunta e ainda não obtive resposta. O que é que está a fazer aqui? – na noite anterior, ela tinha-se obrigado a tratá-lo com alguma cortesia. Agora, não estava disposta a perder o seu tempo com amenidades.

O olhar do xeque percorreu todo o corpo de Catherine.

– É sempre tão tensa?

– Normalmente não. Isso acontece, por exemplo, quando encontro um intruso na ala do palácio reservada à família. Por isso, sugiro que se retire imediatamente ou serei obrigada a chamar os seguranças.

O sorriso dele foi quase imperceptível.

– Aconselho-a a fazer alguma coisa para melhorar esse temperamento, princesa. Não devia fazer juízos precipitados. Sobre a minha presença nesta sala, estive em reunião com o rei esta manhã e ele convidou-me a partilhar a sua mesa. Era quase hora do almoço quando surgiu um imprevisto e ele teve de se ausentar, mas não antes de insistir que eu ficasse e aproveitasse a refeição.

Um forte rubor de embaraço cobriu as faces de Catherine. Mas ela não deu o braço a torcer. Daniel podia ter-se ausentado e faltado ao compromisso, mas ela estava ali. Kaj al bin Russard podia enganar o resto do mundo com os seus trajes ocidentais e os seus modos civilizados, mas não a ela que fora alvo do seu assédio na noite anterior. A afabilidade daquele homem era apenas um verniz. Sob a superfície, ele era perigoso. Ela precisava de ficar alerta.

Além do jornal, só havia uma chávena e um pires na mesa. Catherine indicou-os com um gesto de cabeça.

– Como parece que já terminou o seu almoço, não se deixe prender por mim.

– Para ser sincero, estava a pensar em tomar outro café – ele pegou na chávena vazia e num bule de prata que se encontrava sobre o aparador numa bandeja aquecida. – Posso servir-lhe uma chávena?

Por um segundo, Catherine considerou dar meia volta e deixá-lo a falar sozinho, mas estava com fome. Por causa de um certo xeque, ela tinha perdido o apetite na noite anterior e declinado o bufet, e a chávena de chá com um croissant de queijo que tomara no seu quarto pela manhã já tinham sido digeridos.

Para além disso, aquele homem insuportável pensaria que era por causa dele que ela se retirava, e ela não lhe queria dar esse prazer.

– Não, obrigada – agradeceu e dirigiu-se ao outro lado do aparador.

Em vez de voltar para a mesa, o xeque manteve-se no mesmo lugar. A maneira como a olhava deixava-a sem reacção.

Aquele olhar parecia uma brisa quente que a tocava, em especial na boca do estômago. A sala e tudo o mais à sua volta pareciam desaparecer perante a força daquele homem. E ela teve de reunir todas as suas forças para ser capaz de erguer os braços e obrigar as mãos a alcançarem os pães, a torta e as frutas.

No momento em que se ia sentar, no entanto, ela tornou a perder o controlo. Ele estava mesmo atrás dela e no movimento de lhe puxar a cadeira, tocou-lhe o ombro com o braço.

– Permita-me.

Catherine tinha a sensação de estar nua, tal era o calor que ele lhe transmitiu. A blusa sem mangas de seda amarela e as calças beges não serviram de protecção. Nem as suas pernas a sustentaram quando ele a segurou pelo braço e demorou a soltá-la.

Ela só voltou a respirar quando ele se afastou.

O que é que estava a acontecer? Não era a primeira vez que um homem tentava cortejá-la. Nenhum, porém, a deixara nesse estado de paralisia aguda, de excitação e de insegurança.

– Não tem nada para fazer? Conferências sobre o preço do petróleo ou feiras de camelos, talvez?

Kaj deu a volta à mesa e sentou-se à frente de Catherine antes de responder.

– Não. Todo o petróleo de Walburaq provém de reservas próprias e a sua distribuição é controlada pela família real. Quanto aos camelos, não temos esse animal no nosso país. Como Altária, somos uma ilha.

A irritação de Catherine aumentou com a sugestão de que ela ignorava o facto.

– Eu sei. Sei também que Walburaq está localizada no mar da Arábia, que foi um protectorado inglês até 1963 e que agora faz parte dos Emiratos Árabes.

– Muito bem, princesa. Aprecio o seu esforço em empregar o seu precioso tempo em estudos sobre meu país.

– Não precisa de agradecer. Não teve nada a ver consigo – na verdade, tivera a ver com sua vã esperança de impressionar o pai com os seus conhecimentos dos países com os quais ele mantinha relações comerciais. – Sempre fui boa a história.

Kaj tomou mais um gole de café e sorriu ao vê-la levar um morango à boca com ares de superioridade.

– Isso faz-me pensar que outros talentos manterá escondidos.

Catherine deteve-se, invadida por uma estranha sensação. Tinha a impressão de que ela e o xeque começavam a pisar terreno perigoso. E isso tornou-se uma certeza quando ele acrescentou.

– Estou ansioso por descobri-los.

Um sinal de alarme soou então para Catherine. Mas antes de que ela pudesse deixar bem claro que jamais haveria essa possibilidade, Erin, a nova rainha de Altária, entrou na sala.

Kaj levantou-se.

– Majestade.

Catherine, criada de acordo com o protocolo rígido imposto pelo falecido avô, começou a levantar-se da mesma forma que o xeque, mas voltou à sua posição a um olhar da sua prima.

Apesar dos seus modos reservados, uma das primeiras atitudes de Erin, ao mudar-se para o palácio, foi insistir num tratamento menos formal entre os membros da família. Mais tarde, ela confidenciou a Catherine que essa informalidade era até mesmo necessária pois os irmãos e irmãs americanos de Daniel jamais consentiriam em curvar-se perante ele e chamá-lo de «Majestade».

– Catherine, xeque Kaj al bin Russard. Por favor, queiram sentar-se – um empregado surgiu como do nada e puxou a cadeira para a rainha. Assim que se sentou, ela colocou a sua mão sobre a de Catherine. – Estou contente por vê-la. Não tive oportunidade ontem de lhe dar os parabéns pelo maravilhoso baile. Obrigada por me mostrar como esse tipo de evento deve ser conduzido.

– Foi um prazer.

A jovem rainha sorriu e, em seguida, dirigiu-se a Kaj.

– O meu marido contou-me que aceitou ser nosso hóspede.

Tomada de surpresa, Catherine não se conseguiu conter.

– O quê?

Ela poderia jurar que o rápido olhar que o xeque lhe dirigiu continha um brilho de triunfo. No entanto, foi com serenidade que ele respondeu.

– Foi uma gentileza sua e do rei fazerem-me esse convite.

– É uma honra tê-lo connosco. Espero que possamos oferecer-lhe a hospitalidade que merece.

Catherine decidiu que já tinha ouvido demais. Com um gesto brusco, depositou o guardanapo ao lado do prato e afastou a cadeira.

– Com licença. Tenho um compromisso na cidade.

– Sim, é claro – respondeu a rainha, uma vez que Catherine se dirigiu apenas a ela.

Catherine levantou-se, mas antes que tivesse oportunidade de dar um passo, o xeque imitou-a.

– Perdoe-me, majestade – ele curvou-se perante a rainha, mas foi para Catherine que olhou. – Posso pedir-lhe um favor, princesa, e aproveitar a sua viagem à cidade? Infelizmente, estou sem carro.

– Como é que chegou aqui, então? A pé? – Catherine não pôde evitar o sarcasmo misturado com a raiva. E o arrependimento ao ver o olhar atónito da rainha perante a sua atitude. – É que eu estou atrasada e detestaria ser responsável pela interrupção da sua conversa com a rainha. Tenho a certeza de que não terá problemas mais tarde em conseguir que alguém o leve.

– Não se preocupe por minha causa, Catherine – apressou-se Erin a dizer. – Tenho uma reunião dentro de poucos minutos.

– Sim, mas eu preciso realmente de sair agora.

– Estou pronto para acompanhá-la quando lhe for mais conveniente. Eu detestaria causar-lhe qualquer tipo de problema. Aliás, faço questão de escoltá-la até ao local onde tem o seu compromisso e a qualquer outro sítio onde pretenda ir. Depois, quando tiver a certeza de que deseja voltar para o palácio, podemos passar pelo hotel onde deixei as minhas roupas para que eu as possa trazer.

A rainha levantou-se no fim da explicação.

– Agora que está tudo acertado, eu deixo-os, mas espero vê-los novamente esta noite ao jantar.

Catherine limitou-se a baixar os olhos. Não lhe ocorria outra maneira de disfarçar o seu horror. Não havia saída para ela. O seu dia tinha começado mal e terminaria ainda pior.

 

 

Kaj sentou-se ao lado de Catherine, no banco de passageiro, e observou o modo como ela conduzia o carro desportivo. Com a mesma graça e segurança de sempre e, pelo menos em relação a ele, com aquele seu ar de condescendência. Uma postura que já o teria levado a desistir de cortejá-la, não fosse pela reacção de ênfase sexual que ele notara com o seu toque durante a refeição que partilharam e pelo estremecimento do seu corpo na noite anterior quando a tivera nos braços durante a dança.

Por mais que Catherine tentasse fingir o contrário, ele não lhe era indiferente. É claro que por mais que ele tentasse fingir que não entendia a mensagem, ela não tinha intenção de ceder à atracção que existia entre eles.

O desafio era irresistível. Nenhuma mulher jamais o ignorara. Mais do que isso. Todas elas se atiravam aos seus braços. Embora muitas o fizessem impelidas pela sua posição social e pelo seu dinheiro, a maioria sentia atracção por «ele» como homem.

Não era o caso da princesa Catherine. Ela não se conformava em limitar-se a mantê-lo à distância. Tratava-o também com algum desprezo.

– Pare de olhar para mim – ordenou Catherine, abruptamente.

Kaj despertou dos seus pensamentos. Estava tão distraído que não se tinha apercebido da sua atitude.

– Porquê?

– Porque eu não gosto.

– Mas é tão bonita que me dá prazer em olhar para si, minha querida.

Catherine segurou o volante com tanta força que parecia prestes a arrancá-lo.

– Não me trate por «querida». Tenho um nome. Seja qual for a sua opinião acerca da minha aparência, não gosto que olhem para mim como se eu fosse uma peça de museu.

– Está bem, Catherine. Se se sente melhor assim...

Ao aperceber-se da sua ira contida, Kaj não resistiu. Para que Catherine não visse o seu sorriso, olhou para o lado e fingiu estar interessado na paisagem.

Que era magnífica, não havia dúvida. A rua por onde passavam estava delimitada por palmeiras e contornava o mar Tirreno com a sua cor verde turquesa. Casas em estilo mediterrâneo, com telhados vermelhos, podiam ser vistas ao longo da costa. Na marina havia cerca de dez iates ancorados, brancos e elegantes como cisnes, misturados com barcos pesqueiros mais pequenos e mais coloridos.

Por muito bonita que fosse a vista, a beleza de Catherine atraía-o mais. Passados alguns minutos, ele não pôde evitar o impulso de admirá-la outra vez.

Era uma contradição que o excitava. O seu comportamento frio não combinava com os cabelos de fogo de Catherine e com o acetinado da sua pele, que praticamente pediam para ser tocados. Catherine não era dona de uma beleza clássica. Os seus lábios eram carnudos e os olhos verdes amendoados conferiam-lhe uma aparência exótica.

A verdade era que Catherine lhe agradava demasiado. Quanto mais a observava, maior era o seu desejo.

Essa constatação fê-lo parar e franzir o sobrolho. Não podia deixar-se arrebatar por fantasias sexuais com a mulher que seria a sua esposa. A união deveria durar para sempre. Ele sabia, melhor do que ninguém, que casamentos baseados em paixão não duravam. Tinha um exemplo na sua própria casa.

Em todo o caso, a paixão de Catherine não era algo com que tivesse que se preocupar. Os seus inimigos tratavam-no melhor do que ela.

Kaj virou-se novamente e apoiou o braço no encosto do banco.

– Para onde vamos?

Por momentos, Kaj teve a certeza de que Catherine não iria responder, mas ela fitou-o de soslaio e, alguns segundos depois...

– Se insiste em saber, gosto de dar uma vista de olhos de vez em quando pelas instituições de caridade que a minha família mantém.

Contente com o sentido de responsabilidade de Catherine, Kaj esticou o braço como se pretendesse apenas ficar mais confortável, mas na realidade o que pretendia era tocar os seus cabelos que pareciam ser feitos de seda.

Sem aviso prévio, Catherine travou e virou à esquerda de modo tão brusco que o xeque foi obrigado a segurar-se.

– Hoje – disse ela entredentes – visitaremos um orfanato.

A explicação era desnecessária pois estavam precisamente a passar sob a placa de bronze que dizia Casa da Esperança, fundada em 1999 por Sua Alteza, a Princesa Catherine de Altária.

Segundos depois, Kaj viu uma casa de dois andares com uma ampla varanda coberta. Catherine parou o carro no parque de estacionamento, desligou o motor, abriu a porta e saiu, tudo isso sem lhe dirigir sequer uma palavra.

Aturdido, Kaj preparava-se para abrir a porta quando ouviu uma gritaria. Olhou para fora e sorriu ao deparar com um pequeno batalhão de crianças que saía da casa como um enxame de abelhas e corria em direcção a Catherine.

– Princesa, ainda bem que veio!

– Amalie pensava que se tinha esquecido!

– Trouxe-lhe um presente?

– O novo rei gosta de crianças como nós?

– Crianças, silêncio! – para surpresa de Kaj, Catherine ria-se e as suas gargalhadas soavam como música aos seus ouvidos. – É claro que o rei Daniel gosta de vocês. Quando lhe contei a ele e à rainha sobre vocês, eles perguntaram se também cá poderiam vir.

– A sério? – perguntaram várias crianças em uníssono.

– A sério.

– E a princesa Catherine? – perguntou uma menina, a mais pequena de todas. – Continuará a vir?

– Claro que continuarei, Amalie – respondeu Catherine de imediato. – Somos amigas, não somos? Como é que eu me poderia esquecer que hoje fazes anos?

A menina chegou-se a Catherine e abraçou-a. O xeque abanou a cabeça em sinal de aprovação. Era bom saber que a futura mãe dos seus filhos gostava de crianças.

O facto de ela lhe negar sorrisos como aqueles que dirigia às crianças não tinha importância. Mais cedo ou mais tarde, ele quebraria a sua resistência e também seria alvo da sua atenção.

Faltava apenas convencer o desejo que tinha despertado no seu corpo a ter paciência...