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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2001 Sherryl Woods

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Apanhar um ladrão, n.º 61 - Maio 2014

Título original: To Catch a Thief

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2004

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Internacional e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5189-4

Editor responsable: Luis Pugni

 

Conversión ebook: MT Color & Diseño

Índice

 

Portadilla

Créditos

Índice

Prólogo

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Onze

Doze

Treze

Catorze

Quinze

Dezasseis

Epílogo

Um

Volta

Prólogo

 

O escritório do Café Toscana, situado no Upper West Side de Manhattan, era pouco maior do que uma despensa. Tinha o espaço suficiente para uma secretária, uma cadeira e uma estante repleta de livros de culinária, relatórios, ementas e receitas manuscritas. Só podia entrar uma pessoa de cada vez, mas naquele momento, a sensação de claustrofobia que Gina Petrillo sentia tinha mais a ver com o documento legal que tinha entre mãos do que com a falta de espaço.

– Eu mato-o – murmurou, deixando cair a citação judicial. – Assim que lhe puser as mãos em cima, mato o Bobby.

Conheceu Roberto Rinaldi quando os dois estudavam Gastronomia, em Itália. Bobby era um apaixonado pela restauração e possuía um enorme talento para a cozinha. A imediata simpatia que brotara entre eles relacionava-se mais com a confecção de molhos e os diversificados pratos de massas, do que com o desejo sexual.

Na verdade, Gina jamais teria permitido que Bobby se aproximasse da sua cama. Ele era mais inconstante com as mulheres do que o era com os ingredientes. Frequentemente, experimentava ambos. Conseguia levar a sua avante, porque era encantador e impossível de resistir quando tentava as mulheres com suculentos pratos ou deliciosos beijos. Pelo menos, era isso que diziam as suas inúmeras conquistas.

Gina decidiu não prestar a menor atenção às suas insinuações românticas e concentrar-se nas suas habilidades culinárias. Ele era o chefe de cozinha mais criativo que conheceu ao longo do seu tempo de estudante, e foram muitos anos de estudo. Depois de renunciar à universidade, estudou em algumas das melhores escolas gastronómicas da Europa. Embora adorasse a cozinha francesa, a italiana era, sem dúvida, a que mais a fascinava. Talvez fosse genético, ou talvez não, mas a primeira vez que entrara numa cozinha, em Roma, o aroma a alho, tomate e azeite fizera-a sentir-se como em sua casa.

Para Bobby fora igual, pelo menos era isso que ele afirmava.

Há cinco anos atrás, quando terminaram um curso com a duração de um ano, em Itália, concordaram em formar uma sociedade, procurar investidores entre os amigos de Bobby e abrir um restaurante, em Nova Iorque. Tinham demorado mais de um ano a transformar esse sonho em realidade, porém, valera a pena, apesar dos sacrifícios económicos e das longas noites a arrancar tintas e a lixar soalhos. O Café Toscana fora um sonho para ambos.

Pelos vistos, também fora a forma que Bobby encontrara para enriquecer rapidamente. De acordo com a citação que recebera há uma hora, não só tinha delapidado os fundos do restaurante, como também tinha roubado os que os tinham apoiado. Um cheque da conta do Café, que recebera devolvido poucos minutos antes, confirmava o pior. As arcas estavam vazias, devia-se a renda e facturas à maioria dos fornecedores.

Gina não podia culpar ninguém, a não ser ela própria, por aquele desastre. Permitira que Bobby se encarregasse da contabilidade do Café, porque a ela lhe interessava mais a cozinha e a publicidade do que as contas. Era humilhante que uma pessoa alheia ao negócio, um advogado que representava os investidores supostamente lesados, conhecesse melhor o estado das contas do que ela. O facto de ter sido ela a responsável pelo sucesso do negócio, isso parecia pouco importar. Parecia ser tão culpada como o homem que fugira com o dinheiro. Pelo menos, era essa a interpretação que fazia daquela citação.

Gina pensou em tudo o que sacrificara para construir o Café Toscana, incluindo a sua vida pessoal. Ainda assim, valera a pena. Com a ajuda de uma das suas antigas colegas de liceu, a famosa Lauren Winters, tinha conseguido que o Café Toscana fosse um dos restaurantes mais conhecidos, numa cidade onde abundavam estabelecimentos de qualidade. As melhores mesas eram reservadas com semanas de antecedência e nas datas marcadas não cabia nem um alfinete. Os famosos gostavam de ser vistos ali e a sua presença nunca passava despercebida, nos jornais do dia seguinte. Nos acontecimentos que se festejavam ali, o sucesso era garantido e cada um deles traziam novas reservas, que mantinham Gina ocupada dia e noite.

Então, para onde é que tinha ido todo o dinheiro? Para os bolsos de Bobby, sem dúvida alguma.

Quando telefonou para casa do seu sócio, um caríssimo apartamento no Upper East Side, descobriu que o telefone estava desligado. Também não atendeu o telemóvel. Bobby tinha fugido. Canalha!

Porque ele, aquele advogado, aquele Rafe O’Donnell, lhe seguia o rasto. Aparentemente, estava convencido de que ela era cúmplice e não uma das suas vítimas.

Sentada à mesa, Gina tornou—se consciente de que o seu sonho não só terminava, como se desfazia em pedaços. Se não conseguisse dinheiro, muito dinheiro, teria de declarar falência e fechar o Café Toscana.

– Preciso pensar – murmurou.

Chegou à conclusão de que não ia fazer nada, ali fechada. Necessitava de ar fresco e de espaços abertos. Precisava de ir a casa, a Winding River, Wyoming.

Podia deixar o restaurante nas mãos do seu ajudante, durante uma ou duas semanas. Podia telefonar ao tal O’Donnell para adiar as declarações até uma data posterior, do próximo século.

A reunião dos antigos alunos do Instituto ia dar-lhe a desculpa de que necessitava. As suas amigas, as enérgicas fundadoras do Clube da Amizade, iriam conseguir animá-la. Se decidisse pedir-lhes um conselho, elas dar-lho-iam. Lauren dispor-se-ia a entregar-lhe um cheque para a tirar momentaneamente daquela aflição; Emma dar-lhe-ia apoio legal e Karen e Cassie arranjariam uma maneira de a alegrar.

Gina suspirou. Todas elas fariam isso e muito mais, se resolvesse contar-lhes a confusão em que estava metida. Inclusive poderiam emprestar-lhe uma pistola, que não hesitaria em usar, se visse de novo Roberto Rinaldi.

 

Um

 

– A Gina Petrillo foi onde? – perguntou Rafe O’Donnell, levantando subitamente a cabeça ao ouvir o que a sua secretária acabava de lhe comunicar.

– A Wyoming. Telefonou há uma hora para mudar a data do encontro – repetiu Lydia Allen com uma expressão muito alegre.

Se Rafe não soubesse que era impossível, teria pensado que se alegrava com o facto de essa tal Gina ter escapado das suas garras. Olhou para a mulher que se intitulara como secretária quando foi trabalhar para a Whitefield, Mason & Lockart, há sete anos, e franziu o sobrolho. Nessa altura, ela já estava na empresa há vinte anos e afirmara que sempre a designavam como secretária dos novos advogados que passavam a integrar aquele gabinete de advocacia para se certificar de que se adaptavam bem à empresa. Lydia continuava a ser sua secretária, porque jurava que uma pessoa menos experiente jamais se habituaria a trabalhar com ele.

– Por acaso, eu disse que podia mudar para outro dia? – indagou, bastante irritado.

– Esteve nos tribunais o dia todo – afirmou Lydia, sem se intimidar com o seu brusco tom de voz. – Estas coisas mudam constantemente de data.

– Não para que uma delinquente possa ir descaradamente para Wyoming!

– Não pode ter a certeza de que Gina Petrillo seja uma delinquente. Lembra-se daquela famosa frase «inocente até que se prove o contrário»?

– Não necessito que uma avozinha me recorde os princípios básicos do Direito – replicou Rafe, tentando conter o seu mau génio.

Como sempre, Lydia não prestou a menor atenção ao seu insulto.

– Talvez não, mas umas quantas verdades iam fazer-lhe muito bem. Eu comi nesse restaurante, como a maioria dos sócios deste gabinete de advocacia. Se não fosse tão obcecado pelo seu trabalho, o senhor também seria um cliente assíduo. A comida é fabulosa. Gina Petrillo é uma jovem, bonita e inteligente. Não é nenhuma ladra.

Aquilo explicava a atitude de Lydia. Conhecia pessoalmente a mulher e condenava a teimosia de Rafe em associá-la aos delitos do seu sócio. Tendo em conta a generosidade e bondade da sua secretária, esta certamente tinha telefonado a Gina, advertindo-a de que saísse da cidade.

– Afirmas que não é uma ladra – comentou Rafe com engenhosa suavidade para, de seguida, quase gritar. – Importas-te de me dizer como é que chegaste a essa brilhante conclusão? Tens uma licenciatura em Psicologia? Livre acesso à contabilidade do restaurante? Tens provas que a ilibem de toda a culpa?

– Não, não tenho provas. E o senhor também não, mas, ao contrário de algumas pessoas, sei julgar muito bem o carácter das pessoas, Rafe O’Donnell.

Rafe foi obrigado a reconhecer que assim era... normalmente.

– Quanto a esse Roberto – prosseguiu a secretária, – sim, acredito que tenha roubado as pessoas. Tem um olhar furtivo.

– Obrigado, menina Marple – disse Rafe com um certo desprezo. – Roberto Rinaldi não era o único que tinha acesso ao dinheiro.

Uma boa parte desse dinheiro parecia pertencer à mãe de Rafe. Aquele homem enganara-a com o seu encanto.

Rafe não tinha explorado a verdadeira natureza da relação, contudo, conhecendo a mãe como conhecia, algo lhe dizia que não tinha sido platónica.

Tal como o seu pai, antes do divórcio, também ele era consciente dos erros da sua mãe. No entanto, fazia todos os possíveis para evitar que o roubassem daquele modo.

– Quem desapareceu foi o Roberto – frisou Lydia. – Deveria concentrar-se nele.

– Era o que faria, se conseguisse o encontrar. E é precisamente por essa razão que quero conversar com a Gina Petrillo. Talvez saiba onde está. Agora, graças a ti, nem sequer sei onde ela está.

– Claro que sabe. Acabo de lhe dizer. Foi a Wyoming.

– É um Estado muito grande. Podes reduzir um pouco as possibilidades?

– Não há necessidade alguma de ser sarcástico.

– Sabes onde está, ou não?

– Claro que sim.

– Então, reserva-me um bilhete no próximo voo.

– Duvido de que Winding River tenha aeroporto. Vou confirmar – informou Lydia.

– Como queiras – replicou Rafe, não muito satisfeito ao recordar-se da agreste e selvagem paisagem do Oeste. – Cancela tudo o que estiver marcado na minha agenda e arranja uma maneira de eu chegar lá, amanhã à noite.

– É o que farei, chefe. Na verdade, vou adiantar-me um pouco mais e cancelar tudo o que estiver agendado para a semana que vem. Umas curtas férias vão fazer-lhe bem.

– Não preciso de férias! – protestou Rafe, estranhando o súbito interesse da sua secretária. – Resolverei tudo este fim-de-semana e regressarei, na segunda-feira.

– Porque é que não espera para ver como se desenrolam as coisas?

– O que é que estás a tramar?

– Estou apenas a fazer o meu trabalho – retorquiu com uma expressão inocente no rosto.

Rafe duvidava de que aquela inocência fosse autêntica. Contudo, não conseguia imaginar por que motivo Lydia queria tanto que se fosse embora para Wyoming. Não era o tipo de secretária que se aproveitasse da ausência do chefe para ir às compras quando lhe apetecesse ou para demorar horas no intervalo do almoço. Não. Era das que não tinham descanso, das que se orgulhavam de transformar a vida dos seus chefes num verdadeiro inferno, imiscuindo-se demasiado nos seus assuntos. Era evidente que gostava dessa Gina Petrillo... De repente, descobriu o que a sua secretária estava a tramar.

– Lydia!

– Não precisa de gritar. Estou do outro lado da porta, muito perto daqui.

– Quando me reservares o quarto em Winding River, certifica-te de que estou sozinho.

– Claro, obviamente – declarou a mulher, fingindo-se escandalizada.

– Não me olhes desse modo. Não seria a primeira vez que surgia uma catástrofe num hotel e que me punham a dividir o quarto com uma mulher que, na tua opinião, eu devia conhecer melhor.

– Eu nunca...

– Poupa os discursos. Certifica-te bem, Lydia, ou passarás o resto da tua vida profissional nesta empresa no arquivo.

– Duvido – afirmou ela, sorrindo com malícia. – Eu sei perfeitamente em que armários estão os esqueletos...

Rafe respirou fundo. E Lydia também.

 

 

Quando, em Winding River, se organizava uma reunião de antigos alunos, os festejos prolongavam-se por três dias. Na sexta-feira à noite, havia um churrasco como festa de boas-vindas; no sábado de manhã, um rodeo, e à noite, um baile; no domingo, para terminar havia um piquenique, em forma de despedida. Tudo isso costumava intercalar-se com as celebrações do Quatro de Julho.

Gina não estava interessada no programa, mas sim em passar umas horas com as suas melhores amigas. Desejava dispor de umas horas, durante as quais pudesse esquecer-se de Roberto Rinaldi e da confusão em que ele a envolvera.

 

 

– Não poderíamos ir ao Heartbreak beber umas cervejas, ouvir um pouco de música e descontrairmo-nos, durante umas horas? – suplicou, enquanto as outras a tiravam de casa dos seus pais e a guiavam até ao carro, na tarde de sexta-feira.

– Haverá cerveja e música no churrasco – disse-lhe Emma. – Além disso, desde quando é que perdeste a oportunidade de ir a uma festa? A única que estava sempre mais disposta do que tu a entrar numa farra era a Cassie.

– Quem me dera que tivesse vindo, esta noite... – murmurou Gina.

– Prometeu vir ao baile, amanhã à noite – recordou-lhe Karen. – E sabes perfeitamente porque é que não veio.

– Sim, já sei que foi por causa do que sucedeu com o Cole – comentou Gina. – Isso afectou-a muito. O Cole ia dando de cara com o seu filho.

– Na minha opinião, teria sido melhor se assim tivesse sido – observou Karen. – Creio que está a adiar o inevitável.

– Talvez – retorquiu Lauren. – No entanto, por muito que gostasse que a Cassie estivesse aqui esta noite, não vou deixar que isso me estrague a noite. Agora, vamos, meninas. Há muito tempo que vivo de alfaces. Há anos que não desfruto de um churrasco como Deus manda! Hoje, quero experimentar tudo a que tiver direito – acrescentou, empurrando-as para o carro desportivo que alugara para a sua visita.

Vinte minutos mais tarde, Lauren entrava no parque de estacionamento do Instituto, onde partilhara alguns dos melhores momentos da sua vida com as suas amigas. Nessa altura, conhecia-as simplesmente como membros do Clube da Amizade. As cinco criaram mais problemas do que qualquer outro aluno, chegado antes ou depois delas. Cassie era a cabecilha, mas as restantes tinham seguido de bom agrado tudo o que lhe ocorria.

Anos depois, Karen vivia num rancho; Lauren estava em Hollywood; Cassie continuava a esforçar-se para manter em segredo o nome do pai do seu filho e Emma era uma advogada de muito sucesso, em Denver. Juntamente com Emma e Lauren, Gina era um dos elementos da turma que mais êxito alcançara. O seu pai era mediador de seguros e a sua mãe fora secretária no Instituto, mas Gina decidira trabalhar como empregada de mesa desde muito jovem. Actualmente, era dona de um dos restaurantes mais bem conceituados de Nova Iorque. Aos olhos de toda a gente, a sua vida fora um verdadeiro conto de fadas. Se soubessem que estava a escassos centímetros de se transformar num pesadelo...

Quando se aproximaram do campo de futebol, viram que já estava tudo preparado para o churrasco. Havia comida e bebida em abundância. Toda a gente andava de um lado para o outro, a cumprimentar pessoas que não viam há dez anos, quando terminaram o liceu.

De repente, Gina sentiu que alguém lhe dava uma cotovelada nas costelas.

– Ei! – exclamou, ao deparar-se com Lauren. – Porque é que fizeste aquilo?

Lauren, que, na opinião de todas, era a que mais possibilidades tinha de ser bem sucedida devido à sua inteligência, apontou para um homem que estava sentado, com as pernas esticadas e os cotovelos apoiados no banco que estava à sua frente. Tinha um aspecto distante e parecia estar completamente deslocado. Também era muito bonito, ainda que ultimamente Gina não estivesse interessada naquele tipo de homem. Na verdade, adoraria não voltar a conhecer outro homem bonito. O desaparecimento de Bobby fizera-a desconfiar de todos os homens atraentes.

– Quem é? – perguntou-lhe Lauren. – Tenho a certeza absoluta de que não se trata de um dos nossos. Nenhum dos nossos colegas poderia melhorar tanto em vinte anos, e muito menos em dez.

Gina observou o desconhecido com curiosidade. Efectivamente, era muito bonito. Tinha um ar sofisticado, citadino. Apesar de vestir umas calças de ganga e uma camisa de flanela que, mesmo àquela distância, se viam que eram completamente novas, não havia a menor possibilidade de ser confundido com um rancheiro. Era refinado demais. O seu cabelo castanho estava impecavelmente cortado e o seu rosto era demasiado pálido e aristocrático. Era evidente que se tratava de homem de boas famílias.

– Então? – insistiu Lauren. – Conhece-lo?

Gina estava segura de que nunca o tinha visto antes, mas isso não evitou que o seu coração disparasse. Talvez fosse o marido de alguém, embora algo lhe dissesse que não era bem assim. Olhava-a fixamente, em vez de se fixar em Lauren, que era quem habitualmente atraía a atenção dos homens. No entanto, não parava de observar Gina Petrillo, com o seu cabelo indomável, as suas ancas bem moldadas e um velho vestido que tirara do guarda-fatos do seu antigo quarto.

– Só existe um modo de o descobrir – declarou Lauren, depois de sorrir para a amiga.

Gina tentou impedi-la, apesar de saber que não conseguiria nada. A luz dos focos fizera com que Lauren, que sempre fora tão inteligente quanto tímida, tivesse desenvolvido uma confiança em si mesma de que sempre necessitara.

Gina decidiu desaparecer da zona e foi buscar uma cerveja. Acabava de beber um gole, quando ouviu a voz de Lauren, mesmo atrás de si.

– Finalmente, encontrei-te, Gina – disse-lhe. – Este homem tão bonito anda à tua procura. Que felizarda!

Gina sentiu um nó no estômago. Lentamente, virou-se para eles, ainda que cada fibra do seu ser lhe dissesse que aquilo não tinha nada de sorte. Tinha a certeza de que aquele homem não andava à sua procura para que lhe desse a sua receita dos Fettucini.

– Gina Petrillo, Rafe O’Donnell – anunciou Lauren. De seguida, depois de piscar o olho à sua amiga, deixou-os a sós, como se tivesse feito uma enorme proeza, apresentando-os.

Contudo, Gina reconheceu o nome de imediato. Obrigou-se a encarar os inflexíveis olhos cor topázio com que ele a contemplava e apercebeu-se de que não havia razão alguma para fingir que não reconhecia o seu nome. Apesar de tudo, resolveu manter-se calma, por muito que lhe custasse. Não queria que aquele homem pensasse, nem por um segundo, que se sentia culpada de alguma coisa.

– Está muito longe de sua casa, senhor O’Donnell.

– Como a senhora, menina Petrillo.

– Engana-se. Esta é a minha casa.

– E Nova Iorque?

– É o lugar onde trabalho.

– Já não, se depender de mim.

– Pelos vistos, a estratégia para a batalha já está preparada. Ainda bem que o senhor não é juiz nem jurado. Se assim fosse, só me restaria começar a tremer.

– Seja como for, deveria fazê-lo. Sou muito bom no meu trabalho.

– E a que é que o senhor se dedica, senhor O’Donnell? A condenar as pessoas sem necessidade de julgamento?

– Não. A chegar aos factos, menina Petrillo. Esse era o objectivo das declarações que a menina decidiu cancelar.

– Não cancelei nada. É melhor confirmar a sua agenda. A única coisa que fiz foi adiá-las para outro dia.

– Sem a minha autorização.

– A sua secretária não criou qualquer obstáculo.

– Sim, bem... Às vezes, a Lydia esquece-se de quem manda.

– E tenho a certeza de que isso o aborrece muito.

– Acima de tudo, é um inconveniente.

– Sim, acredito que perseguir os maus, como eu, por todo o país deva causar-lhe bastantes transtornos na agenda...

Para surpresa de Gina, ele deu uma gargalhada.

– Nem imagina o quanto. Tinha planos espectaculares para este fim-de-semana.

– A sério? Que planos? Um jogo de futebol com os filhos? Ou talvez um acto de beneficência com a esposa?

– Não tenho nem esposa nem filhos.

Aquela revelação despertou nela uma sensação de alegria, completamente inadequada. Contudo, negou-se a admitir ou a permitir que ele visse que tinha a capacidade de a desconcertar de algum modo... e muito menos daquela maneira.

– Nesse caso, devia tratar-se de um encontro com uma mulher bonita.

– Não.

– Não acredito que esses planos espectaculares se resumissem a passar o fim-de-semana completamente sozinho, senhor O’Donnell.

– Receio que sim. Obviamente, ter-me-ia divertido à minha maneira. Antes de vir para aqui, ainda tive tempo de examinar os livros do Café Toscana. Pedi que os fossem buscar, ontem de manhã. Pelo que me contaram, a sua ajudante mostrou-se bastante cooperante. É uma pena que nem a menina nem o seu sócio demonstrem a mesma atitude. Por falar nisso, onde é que posso encontrar o Rinaldi?

– Tenho a certeza de que esses livros lhe revelaram muito mais do que aquilo que eu possa dizer-lhe. Deveria ter ficado em sua casa com eles. Poderia ter passado o fim-de-semana todo a rever os números. Quanto ao Bobby, se o localizar, avise-me. Gostaria de lhe dizer umas coisas.

– Espera que acredite que se foi embora sem lhe dizer?

– Sinceramente, não estou interessada no que o senhor acredita ou não acredita. Agora, vá para casa, senhor O’Donnell. Não é demasiado tarde para poder desfrutar desses livros de contabilidade. Porque é que não apanha um avião, esta noite?

– Porque dei a noite de folga ao piloto do voo charter que me trouxe aqui, desde Denver, e não gostaria de lhe estragar a noite. Estava ansioso por ir dançar para um sítio que se chama Heartbreak.

– Como o senhor é atencioso! E como é caro alugar um voo charter para uma só pessoa! Sabem os seus clientes como desperdiça o senhor o dinheiro deles?

– Não tem por que se preocupar. As despesas desta viagem são por minha conta. Há muito tempo que não participava num evento como este – acrescentou, olhando em volta.

– Para quem defende a verdade com tanto afinco, senhor O’Donnell, essa é uma boa piada. Tenho a certeza de que nunca esteve num evento como este, estou enganada? – inquiriu Gina, encarando-o com cepticismo. – A mim parece-me que o senhor frequentou um colégio privado, na Costa Este, e depois foi para Harvard. Se algum dia participou numa reunião deste género, estou segura de que esta se realizou num hotel de luxo ou num clube privado. E o meu instinto diz-me que o mais perto que esteve de um cavalo foi numa esquina das ruas de Nova Iorque e que, então, havia um polícia montado nele.

– Pois, engana-se. Estudei em colégios públicos e foi para Yale, não para Harvard.

– Não creio que haja uma diferença muito significativa.

– Sugiro-lhe que não o diga a nenhum outro aluno de qualquer uma das duas universidades. Gostamos de nos agarrar às nossas ilusões de supremacia.

– Agarre-se a tudo o que quiser, mas faça-o noutro lugar. Vim aqui para me divertir com as minhas amigas. Não quero encontrá-lo a espiar nas sombras, sempre que eu olhar para trás.

– Pois, lamento imenso, porque não tenciono ir a lugar nenhum.

– O que é que realmente o trouxe aqui? – perguntou Gina, irritada com a sua arrogância. – Receia que eu desapareça? Por acaso, está à espera que tenha guardado o dinheiro que falta debaixo do colchão da cama que tenho em casa dos meus pais?

– E tem?

– Claro que não. Nem dinheiro nem esconderijo. O que lhe posso mostrar é o meu bilhete de avião para que veja que é de ida e volta. Vá para sua casa, senhor O’Donnell. Vê-lo-ei, tal como está combinado, dentro de duas semanas.

– Poderíamos tirar este peso das costas, agora mesmo – sugeriu ele. – Assim, eu poderia regressar a Nova Iorque e desfrutar do resto do meu fim-de-semana.

– Sem a presença de um advogado? Não me parece.

– Nesse caso – replicou ele, encolhendo os ombros, – terá de se acostumar à minha presença durante... quanto tempo é que me disse que ia ficar?

– Duas semanas.

– Então, durante duas semanas – afirmou Rafe, ainda que parecesse aborrecido com aquele prazo. – O que for necessário.

– Como queira – suspirou Gina. – Eu vou buscar outra cerveja.

– Beber não a irá ajudar a esquecer-se de que estou aqui.

– Não, imagino que não. Seria preciso uma boa pancada na cabeça para o conseguir. Contudo, a cerveja vai ajudar-me a tolerar mais a sua presença. Vemo-nos nos tribunais, senhor O’Donnell.

– Eu acho que nos veremos muito antes disso – retorquiu ele. – Tenciono ir a todos os lugares onde a menina for.

Gina sabia que não era culpada de nada, à excepção de ter cometido o erro de enveredar pelo mundo dos negócios com Bobby. No entanto, Rafe O’Donnell parecia-lhe o tipo de homem capaz de desenterrar segredos, inverter o sentido das palavras e pintar um quadro bastante negro da pessoa mais santa ao cimo da Terra. Ia ficar em Winding River, esgravatando por todo o lado, procurando provas que a incriminassem e incomodando as suas amigas. Aquele último pensamento sobressaltou-a.

Talvez fosse melhor terminar com tudo aquilo, conversar com ele e fazer com que se fosse embora. Porém, aquela ideia também não a atraía. Necessitava de tempo para pensar, antes de se decidir a ir falar com um advogado, em Nova Iorque. Não queria envolver as amigas naquele assunto, a menos que fosse obrigada a fazê-lo. Era um problema seu e ia resolvê-lo sozinha, isso, partindo do pressuposto de que havia uma maneira qualquer de o solucionar.

Nesse momento, apercebeu-se de que a música tinha começado. Ninguém gostava mais de dançar do que ela. Então, decidiu adiar aquela cerveja, por uns minutos.

– Sabe dançar esta música?

– Não.

– Não importa – declarou ela, agarrando-lhe na mão. – Limite-se a seguir-me.

O advogado aprendeu mais depressa do que ela supôs. Não tinha muito jeito, mas pelo menos não tropeçava nem a pisava.

– Vejo que gosta de desafios – comentou Gina.

– São poucas as coisas que não sou capaz de fazer para ganhar.

– Continuamos a falar da dança?

– Por acaso, estávamos a falar da dança?

Gina suspirou. Concluiu que nada ia mudar. Rafe O’Donnell jamais se iria esquecer do que o levara a Winding River.

– Acho que vou beber a tal cerveja, agora – disse, antes de terminar a música. Preparava-se para sair da pista quando, de repente, se virou para trás e encarou o advogado. – Deixe as minhas amigas fora disto.

– Não direi nada... por enquanto.

– Oiça, senhor O’Donnell...

– Tendo em conta que nos vamos encontrar regularmente, durante as próximas duas semanas, creio que deverias tratar-me por Rafe.

– Como queiras. Seja como for, aviso-te de que não sabem nada disto nem quero que o saibam.

– Porquê? A tua amiga Lauren ganha dez milhões com cada filme. Poderia dar-te um cheque e acabar com este assunto, agora mesmo. Poderias pagar a todas as pessoas que ficaram lesadas, saldar as contas do restaurante e a vida seguiria como antes. Não terias de voltar a ver-me.

– Sim, é evidente que poderia fazer isso, mas não é um problema dela. É um problema meu. Não, um momento. Permite-me que me corrija. É um problema do Bobby.

– No entanto, ele deixou-te com a batata quente na mão, não foi?

– Não tenciono enveredar por esse caminho agora. Boa noite.

Gina virou-se e foi-se embora. Contudo, a cada passo que dava, sentia com mais intensidade que o olhar de Rafe lhe queimava as costas. Alegrava-se por não lhe poder ver a cara, porque teria sabido exactamente o quanto aquela conversa a enervara.

Pouco depois, deparou-se com Lauren.

– Quem é aquele homem tão bonito?

– Aquele homem tão bonito é uma cobra! – explodiu Gina.

– O que é que fez?

– Nada. Não precisas de te preocupar. Não se trata de nada que eu não possa resolver – replicou Gina com um sorriso nos lábios.

– Tens a certeza?

– Claro que sim.

Contudo, apesar de ter tentado incutir uma certa firmeza na voz para que Lauren acreditasse nela, Gina não pôde deixar de se interrogar sobre se Rafe O’Donnell não seria uma ameaça demasiado forte para ela. Recordou-se do modo como o seu coração acelerara na presença dele e, então, corrigiu-se. A verdade é que não tinha a menor dúvida de que Rafe O’Donnell seria um extraordinário inimigo para ela, em vários aspectos.