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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1994 Linda Howington

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Amando uma mulher, n.º 23 - Novembro 2014

Título original: Loving Evangeline

Publicado originalmente por Silhouette® Books

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, HQN e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Dreamstime.com.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5840-4

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Onze

Doze

Treze

Catorze

Quinze

Dezasseis

Dezassete

Dezoito

Epílogo

Volta

 

Um

 

Davis Priesen não se considerava um covarde, mas preferia submeter-se a uma cirurgia sem anestesia a enfrentar Robert Cannon, para lhe dizer o que tinha a dizer. E não porque pensava que o presidente, diretor executivo e acionista principal das Empresas Cannon, o iria responsabilizar pelas más notícias.

Cannon nunca fora dos que matam o mensageiro. Mas os seus olhos verdes, frios, podiam parecer gelo e Davis sabia, por experiência própria, que sentiria um arrepio de medo nas costas.

Cannon tinha fama de ser justo, mas também de ser desumano quando alguém tentava enganá-lo. Outros homens na sua posição, com o seu poder, escondiam-se atrás de carradas de empregados. Contudo, só a secretária particular guardava as portas que conduziam ao sancta sanctorum de Cannon.

Felice Koury era a secretária particular dele há oito anos e dirigia o escritório com a precisão de um relógio suíço. Era uma mulher alta, sem idade, de cabelo cinzento e com a pele macia de uma rapariga de vinte anos. Era impossível adivinhar a idade dela pelo aspeto. Mostrava-se fria ao enfrentar as crises, eficiente até ao limite e nunca tinha revelado o menor nervosismo diante do patrão. Davis invejava essa qualidade.

– Bom dia, senhor Priesen – cumprimentou, assim que entrou no escritório. Premiu um botão. – Chegou o senhor Priesen – pousou o auscultador e levantou-se. – Vai recebê-lo agora – e acompanhou-o à porta.

O gabinete de Cannon era enorme, luxuoso e estava decorado com um delicioso bom gosto. Era esse bom gosto que fazia com que o efeito geral fosse relaxante, num lugar intimidatório, apesar de haver quadros originais nas paredes e tapetes persas no chão.

À direita, havia uma zona com sofás e mesas, que também incluía televisão e vídeo. Seis janelas grandes ocupavam uma parede, emoldurando a paisagem de Nova Iorque como se fossem quadros. As janelas também eram, por si só, uma obra de arte, com vidros cortados que transformavam em diamantes a luz que entrava por eles.

A mesa de Cannon era uma antiguidade, uma obra de arte em madeira preta esculpida que, supostamente, tinha pertencido aos Romanov, no século XVIII. Parecia sentir-se bem atrás dela.

Era um homem alto, magro, com a graciosidade e a elegância de uma pantera. Tinha cabelo preto e olhos verdes claros, que completavam o ar de pantera.

Levantou-se para apertar a mão a Davis, com força.

Noutras ocasiões, tê-lo-ia convidado para a zona dos sofás e oferecido um café. Mas aquela não era uma dessas ocasiões. Cannon sabia ler o pensamento das pessoas e semicerrou os olhos ao ver a tensão no rosto do visitante.

– Diria que estou feliz em ver-te – comentou, – mas parece que não vou gostar daquilo que vais dizer.

– Penso que não, senhor.

– É culpa tua?

– Não, senhor – decidiu ser sincero. – Embora, certamente, devesse ter visto.

– Relaxa e senta-te – disse Robert, com gentileza. – Se não foi culpa tua, estás seguro. Agora, diz-me qual é o problema.

Davis sentou-se com nervosismo na beira de uma cadeira de pele macia.

– Alguém em Huntsville está a vender o nosso software para a estação espacial – declarou.

Cannon ficou muito quieto, mas os seus olhos pareciam gelo, como Davis temia.

– Tens provas? – perguntou.

– Sim, senhor.

– Sabes quem é?

– Penso que sim, senhor.

– Conta-me.

Davis explicou como começara a suspeitar e como tinha investigado um pouco por sua conta, para confirmar as suas suspeitas antes de acusar alguém. Cannon ouvia em silêncio e Davis secava o suor da testa, enquanto descrevia os resultados da sua investigação.

A PowerNet, uma filial das Empresas Cannon, situada em Huntsville, Alabama, trabalhava nesse momento em programas informáticos altamente secretos, para a NASA. E esses programas estavam a cair nas mãos de uma empresa, com sede noutro país. Não era só um caso de espionagem industrial, o que já teria sido bastante mau, era traição.

As suas suspeitas centravam-se em Landon Mercer, o diretor da empresa. Mercer tinha-se divorciado no ano anterior e o seu estilo de vida tinha melhorado consideravelmente. Tinha um bom salário, mas não o bastante para manter uma família e viver daquela forma.

Davis tinha contratado os serviços de uma agência de investigação, que descobrira pagamentos avultados nas contas de Mercer.

Depois de o seguirem durante várias semanas, averiguaram que visitava regularmente um porto desportivo em Guntersville, uma cidade pequena, no Lago Guntersville, perto do rio Tennessee.

A proprietária do pequeno porto era uma mulher chamada Evie Shaw, mas os investigadores ainda não tinham conseguido encontrar nada de estranho nas suas contas bancárias, nos hábitos ou gostos, o que talvez significasse que era mais esperta do que Mercer.

Mas, em duas ocasiões, pelo menos, Mercer tinha alugado um barco a motor e, um pouco depois de se ter afastado do porto, Evie Shaw tinha fechado a loja e tinha-o seguido noutro barco. Tinham regressado com um quarto de hora de diferença. Dava a impressão de que se reuniam num ponto do grande lago, onde lhes seria fácil ocultar as suas ações e ver ou ouvir qualquer um que se aproximasse. Parecia ser muito mais do que tentar levar a cabo um negócio clandestino. De facto, a grande atividade no porto fazia com que fosse ainda mais estranho que ela fechasse a loja a meio do dia.

Quando Davis acabou de falar, o rosto de Cannon estava inexpressivo.

– Obrigado – disse com calma. – Avisarei o FBI. Bom trabalho.

Davis corou e levantou-se.

– Lamento por não ter descoberto antes.

– A segurança não é da tua incumbência. Alguém falhou no trabalho. Também me ocuparei disso. É uma sorte que sejas tão competente – Robert tomou nota, mentalmente, de aumentar o salário a Davie e começar a prepará-lo para cargos de mais responsabilidade. Revelara uma perspicácia e iniciativa que não deviam ficar sem recompensa. – Certamente, o FBI quererá falar contigo, portanto, procura estar disponível.

– Sim, senhor.

Robert ligou ao FBI pela sua linha privada, assim que ficou sozinho. Pediu dois agentes e, a sua influência era tal, que lhe asseguraram que estariam no seu escritório em menos de meia hora.

Feito isso, considerou as opções que tinha. Não permitiu que a fúria nublasse o seu pensamento. As emoções incontroladas não só eram inúteis como estúpidas, e Robert não se permitia cometer atos estúpidos.

Acatava como algo pessoal que alguém das suas empresas vendesse programas informáticos secretos. Era uma mancha na sua reputação. Desprezava pessoas que eram capazes de vender o seu país por dinheiro e não pouparia esforços para as colocar na prisão. Quinze minutos depois, tinha traçado um plano de ação.

Os dois agentes chegaram em vinte minutos. Robert pediu a Felice que não os interrompesse.

Levantou-se para os cumprimentar, sem deixar de os examinar.

O mais jovem tinha cerca de trinta anos e o outro uns cinquenta. O primeiro parecia ser seguro de si e os olhos azuis do segundo, meio ocultos por óculos de armação metálica, revelavam cansaço, mas também um brilho inteligente. Não era um novato.

Estendeu a mão a Robert.

– Senhor Cannon? Sou William Brent, agente especial. O meu colega é Lee Murray, agente especial, especializado em contraespionagem.

– Contraespionagem – murmurou Robert. A presença dos agentes indicava que o FBI já andava a investigar a PowerNet. – Acertaram, cavalheiros. Sentem-se, por favor.

– Uma empresa como a sua – comentou Brent, sentando-se, – que tem tantos contratos com o Governo, deve estar acostumada a ser um bom alvo para a espionagem. Além disso, sei que também tem experiência nessa área, por isso, foi fácil adivinhar que necessitava dos nossos conhecimentos nesse campo.

Robert pensou que era muito bom, o tipo de pessoa que inspirava confiança. Queriam averiguar se sabia algo, mas não mencionariam a PowerNet se ele não o fizesse.

– Vejo que já têm informação – declarou, com expressão inescrutável. – Quero saber porque não contactaram comigo, imediatamente.

William Brent fez uma careta. Tinha ouvido dizer que Robert Cannon não deixava passar nada, mas não esperava que fosse tão esperto.

Cannon olhava para ele com as sobrancelhas arqueadas, convidando-o a dar explicações, uma expressão a que muita gente achava difícil de resistir.

Brent conseguiu controlar a vontade de falar, misturando as explicações com as desculpas. Surpreendeu-se por sentir aquele impulso.

Observou Robert Cannon com mais atenção. Sabia muitas coisas sobre ele. Procedia de uma família culta, com dinheiro, mas fizera muito mais dinheiro por sua conta e tinha uma reputação impecável. Também tinha muitos amigos, tanto no Departamento de Estado como no da Justiça, homens poderosos que sentiam um profundo respeito por ele.

– Olhe – dissera um desses homens. – Se houver algo podre nas Empresas Cannon, agradeceria, pessoalmente, que avisasse Robert Cannon antes de fazer alguma coisa.

– Não posso fazê-lo – replicara Brent. – Iria colocar em risco a investigação.

– Nada disso – replicara o outro. – Eu confiaria os segredos mais difíceis deste país a Cannon. A verdade é que já o fiz, em várias ocasiões. Fez-nos… Favores.

– É possível que esteja envolvido – advertira Brent, resistente à ideia de informar um civil sobre o que acontecia no Alabama.

Mas o outro homem abanou a cabeça.

– Não. Robert Cannon não.

Depois de descobrir algo sobre a natureza e a magnitude dos «favores» feitos por Cannon, e avaliar os perigos que isso acarretava, Brent tinha acedido a informar Cannon da situação, antes de pôr um plano em marcha. Mas a chamada do empresário surpreendera-o e o seu plano era guardar silêncio, até saber por que motivo tinha ligado.

Brent estava habituado a julgar as pessoas, mas com Cannon era uma tarefa difícil. Parecia ser um homem rico, culto e sofisticado e, sem dúvida, era. Mas, mesmo assim, era só uma primeira camada. As outras, fossem o que fossem, estavam tão bem ocultas que só adivinhava a sua existência, mas, até isso, devido basicamente ao acesso que tivera a informação privilegiada.

Tomou uma decisão rápida e inclinou-se para a frente.

– Senhor Cannon, vou dizer-lhe muito mais do que era a minha intenção. Temos um problema com uma das suas empresas, uma empresa de software, no Alabama.

– O que lhes parece se eu vos contar aquilo que sei e, em seguida, falarão, se tiverem algo a acrescentar? – perguntou Robert.

Relatou com calma aquilo que tinha descoberto através de Davis Priesen. Os dois agentes trocaram um olhar involuntário, que indicou a Robert de que tinham descoberto menos que Davis.

Quando acabou de falar, William Brent pigarreou.

– Os meus parabéns – declarou. – Está muito mais à frente do que nós. Isso ajudará muito na investigação.

– Irei para lá, amanhã de manhã – informou Robert.

Brent parecia não aprovar.

– Senhor Cannon, agradeço o seu desejo de ajudar, mas será melhor sermos nós a ocuparmo-nos disso.

– Não entendeu. A minha intenção não é ajudar. É a minha empresa, um problema meu. Vou ocupar-me dele, pessoalmente. Só estou a comunicar a situação e as minhas intenções. Eu não tenho de perder tempo a preparar um disfarce e a infiltrar-me na operação, porque é a minha propriedade. Como é óbvio, irei mantê-los informados.

Brent abanou a cabeça.

– Não, nada disso.

– Quem seria melhor? Não só tenho acesso a tudo, como a minha presença não será tão alarmante como a dos investigadores federais – fez uma pausa. – Não sou um entusiasta – comentou, com gentileza.

– Eu sei, senhor Cannon.

– Nesse caso, sugiro que falem com os vossos supervisores – e olhou para o relógio. – Eu tenho preparativos a fazer.

Não duvidava de que, quando Brent falasse com os seus superiores, eles diriam que retrocedesse e deixasse Robert Cannon solucionar os seus problemas.

Iriam oferecer-lhe assistência, como é óbvio, mas o agente Brent iria descobrir que era ele que dava as ordens.

Passou o resto do dia a reorganizar a sua agenda. Felice reservou o bilhete de avião e um quarto num hotel de Huntsville. Antes de se ir embora, naquela noite, olhou para o relógio. Eram oito da noite em Nova Iorque, em Montana eram seis e, no verão, trabalhava-se no rancho até muito mais tarde do que no inverno.

– Casa de loucos dos Duncan – disse a voz da sua irmã. – Fala Madelyn.

Robert soltou uma gargalhada. Ouvia o ruído de fundo dos dois sobrinhos.

– Foi um dia duro? – perguntou.

– Robert! – exclamou ela, com prazer. – Mais ou menos. Estás interessado numa visita prolongada dos teus sobrinhos?

– De momento, não. Não estarei em casa.

– Para onde vais agora?

– Huntsville, Alabama.

A irmã fez uma pausa.

– Faz lá muito calor.

– Eu sei.

– Podes suar – advertiu ela. – Pensa em como isso te incomodaria.

Robert sorriu.

– É um risco que tenho de correr.

– Deve ser importante. Problemas?

– Alguns contratempos.

– Cuida de ti.

– Vou cuidar. Se descobrir que tenho de ficar mais tempo do que esperava, ligo-te para te dar o meu número.

– De acordo. Amo-te.

– E eu a ti.

Desligou com um sorriso nos lábios. Era típico de Madelyn não fazer perguntas, mas percebera imediatamente a gravidade da situação que o esperava no Alabama.

Em poucas palavras, tinha demonstrado o seu apoio, o seu amor. Na realidade, era sua meia-irmã, mas o afeto e a compreensão entre eles eram tão fortes, como se fossem parentes de sangue.

Em seguida, ligou a Valentina Lawrence, a mulher com quem saía ultimamente. A relação não tinha avançado muito, para que tivesse de esperar pelo seu regresso, portanto, o melhor para os dois seria deixar bem claro que poderia sair com outro, se desejasse. Era uma pena. Valentina era demasiado popular para ficar sozinha durante muito tempo e ele suspeitava que ficaria várias semanas no Alabama.

Era o tipo de mulher que mais o atraía. Alta, magra, com seios pequenos. Sempre maquilhada de uma forma impecável, vestida com bom gosto e elegância. Tinha uma personalidade agradável e gostava de teatro e ópera, tanto como ele. Se não fosse aquele contratempo, teria sido uma companheira maravilhosa.

Há vários meses que tinha acabado a sua última relação e sentia-se incómodo. Preferia viver com uma mulher a viver só. Gostava de mulheres, tanto mental como fisicamente, e costumava preferir a segurança de uma relação estável. Não gostava de aventuras de uma noite e desdenhava aqueles que o faziam. Travava-se de fazer amor com uma mulher, até ela se comprometer a manter uma relação com ele.

Valentina aceitou bem a notícia da sua ausência. Afinal, não eram amantes e não tinham direito a exigir nada um ao outro. Captou uma certa deceção na voz dela, mas não lhe pediu que lhe ligasse, quando voltasse.

Depois disso, ficou sentado durante alguns minutos, pensando na relação que não tinha chegado à intimidade e em quando voltaria a ter tempo para se ocupar da sua vida sexual. Não lhe agradava a ideia de esperar muito.

Procurava ter sempre a sua sexualidade bem controlada. Nunca pressionava uma mulher, mas deixava bem claro quando se sentia atraído, para que ela soubesse em que pé estavam. Mas deixava que ela marcasse o ritmo e a velocidade a que queria avançar.

Respeitava a cautela natural de uma mulher, na hora de abrir o seu corpo a um homem grande e forte. No sexo, tratava as mulheres com gentileza e levava o seu tempo para as excitar plenamente.

Um controlo assim não era difícil. Podia passar horas a acariciar um corpo feminino. Ir devagar ajudava-o a acalmar a sua fome e intensificava a da sua companheira.

Não havia nada como a primeira vez em que fazia amor com uma mulher. Depois, a experiência já não era tão intensa, nem estava tão carregada de desejo. Procurava fazer sempre com que ela se sentisse especial.

Não desprezava os pequenos detalhes que faziam com que uma mulher se sentisse valorizada. Jantares românticos a dois, velas, champanhe, presentes e toda a sua atenção. E quando chegava o momento de ir para o quarto, recorria a todo o seu controlo e habilidade para lhe dar satisfação, uma e outra vez, antes de se permitir explodir de prazer.

Irritava-se ao pensar naquilo que o problema de Alabama o faria perder.

Ouviu bater à porta e Felice espreitou por ela.

– Devias ter ido para casa – disse ele. – Não tinhas de ficar.

– Um mensageiro trouxe este envelope – e aproximou-se para o deixar na mesa.

– Vai para casa – repetiu. – É uma ordem. Ligo-te amanhã.

– Queres mais alguma coisa, antes de eu ir? Café?

– Não, também me vou embora.

– Que tenhas boa viagem – e sorriu, antes de sair.

Robert duvidava que houvesse algo de bom naquela viagem. Tinha desejo de vingança, de sangue.

Reparou que o envelope castanho não tinha remetente. Abriu-o e tirou vários papéis. Havia uma fotografia, um resumo da situação, com aquilo que já sabiam, e uma mensagem do agente Brent, identificando a mulher da fotografia e informando que o FBI iria colaborar com ele a todo o momento, algo que já esperava.

Estudou a fotografia. Era de má qualidade e mostrava uma mulher de pé, num cais, com barcos a motor por trás.

Evie Shaw.

Usava óculos de sol, portanto, não podia dizer muito mais, para além de ver que tinha cabelo loiro, despenteado, e que parecia ser forte, atlética. Não era uma Mata Hari. Mais parecia uma profissional de luta livre, mal vestida, alguém que vendia o seu país, por pura avareza.

Guardou os papéis no envelope. Desejava fazer justiça com Landon Mercer e Evie Shaw.

 

Dois

 

Era um dia quente de verão, típico do sul. O céu exibia um tom azul profundo e estava pontilhado de nuvens brancas de algodão, que eram empurradas por uma brisa tão suave que apenas agitava a superfície do lago.

Alguns pescadores e praticantes de esqui aquático estavam na água, mas a maioria dos pescadores tinha saído muito cedo e voltado antes do meio-dia.

O ar estava pesado e húmido, intensificava os aromas do lago e das montanhas luxuriantes que o rodeavam.

Evangeline Shaw contemplava os seus domínios das grandes janelas, nas traseiras do edifício principal do porto. Todos precisavam de ter um reino e o seu era aquele labirinto de cais e barcos. Nada do que acontecia ali escapava à sua atenção.

Há cinco anos, quando fora para ali, estava nas últimas e o negócio apenas cobria os gastos. Precisara de contrair um empréstimo para injetar o capital de que necessitava, mas, em menos de um ano, começara a dar mais lucro do que nunca.

Com sorte, acabaria de pagar o empréstimo dentro de três anos. E então, o porto seria só dela, estaria livre de dívidas e poderia expandir-se e diversificar um pouco. Confiava que os negócios continuassem assim, mas a pesca tinha caído muito devido ao programa de «controlo de ervas daninhas», por parte das Autoridades do Vale Tennessee, que tinha acabado por matar grande parte das plantas aquáticas que albergavam e protegiam os peixes.

Mas mostrava-se cautelosa. A sua dívida era suportável, ao contrário das de outros, que pensavam que o boom da pesca duraria para sempre e se tinham endividado muito para se expandir.

O velho Virgil Dodd fizera-lhe companhia durante parte da manhã, sentado na cadeira de baloiço atrás do balcão e distraindo os clientes e a ela com histórias de quando era rapaz, nos primórdios do século.

Era tão duro como uma sola de sapato, mas tinha quase cem anos e Evie temia que não durasse muito mais. Tinha-o conhecido durante toda a vida, já velho, com poucas mudanças, tão imutável como o rio ou as montanhas. Mas sabia o quão frágil é a vida humana e adorava as manhãs que Virgil passava com ela.

E ele também desfrutava, visto que já não saía para ir pescar. Ali, sentia-se perto dos barcos, podia ouvir o barulho da água contra o cais, sentir o cheiro do lago.

Agora, estavam sozinhos e ele contou-lhe outra história da sua juventude. Evie, sentada num banco, olhava de vez em quando pela janela, para ver se se aproximava alguém do cais, sem deixar de prestar atenção a Virgil.

A porta lateral abriu-se e entrou um homem alto e magro. Ficou quieto por um momento, mas depois tirou os óculos de sol e aproximou-se dela com um movimento que fazia lembrar uma pantera silenciosa.

Evie lançou-lhe um olhar rápido, antes de voltar a concentrar a sua atenção em Virgil, mas foi o suficiente para erguer as suas defesas. Não sabia quem era, mas reconhecia o que era.

Um forasteiro.

Havia muitos nortenhos reformados que se tinham instalado em Guntersville, atraídos pelos seus invernos suaves, pelo baixo custo de vida e pela beleza natural do lago, mas ele não era um deles. Para começar, era muito jovem para estar reformado. A roupa era cara e a atitude desdenhosa.

Evie conhecia bem os da sua classe. E não a impressionavam nada.

Mas não era só isso. Também era perigoso.

Embora sorrisse a Virgil, examinava instintivamente o desconhecido.

Tinha sido criada com rapazes temerários e problemáticos. O sul produzia-os em abundância. Mas aquele homem era outra coisa. Não procurava o perigo. Ele era o perigo. Possuía um temperamento e uma força de vontade que não admitiam oposição, uma força de caráter que aparecia sem dissimulação nos seus olhos verdes.

Não sabia como ou porquê, mas pressentia que era uma ameaça.

– Desculpe – disse ele. E a profundidade da voz acariciou-a como se fosse veludo. Um calafrio percorreu-lhe as costas. As palavras eram educadas, mas a vontade de ferro que escondiam disse-lhe que esperava que o atendesse de imediato.

Lançou-lhe um olhar rápido.

– Um momento, por favor – pediu com cortesia. E virou-se para o idoso. – E então, o que aconteceu Virgil? – perguntou, entusiasmada.

Robert manteve o rosto inexpressivo, embora a atitude dela o surpreendesse. Não estava habituado a que o ignorassem, muito menos uma mulher. As mulheres reagiam sempre à sua intensa virilidade, que controlava tão bem.

Não era vaidoso, mas a atração que despertava nas mulheres era algo que dava por garantido. Não se recordava de ter desejado uma mulher que não tivesse acabado por possuir, mais cedo ou mais tarde.

Mas estava disposto a esperar e aproveitar a oportunidade para a observar. O aspeto dela tinha-o desconcertado um pouco, algo pouco habitual nele. Ainda não tinha ajustado as suas expetativas à realidade.

Não havia dúvida de que se tratava de Evie Shaw. Mas não era a mulher atlética que esperava. A imagem que criara era uma mistura de uma fotografia má e roupa larga. Procurava uma mulher parola e mal-educada, mas não foi o que encontrou.

Era como se… Tivesse um brilho próprio.

Era uma ilusão, talvez produzida pela luz do sol que entrava pelas janelas grandes, formando uma auréola à volta do cabelo, iluminando os olhos amendoados. A luz acariciava-lhe a pele dourada, tão suave e sem mácula como a de uma boneca de porcelana. Ilusão ou não, aquela mulher era luminosa.

A voz era surpreendentemente profunda e um pouco rouca, e fazia lembrar os filmes de Humphrey Bogart e Lauren Bacall. Tinha um sotaque preguiçoso e fluído, tão melodioso como o murmúrio de um ribeiro ou o vento a soprar por entre as árvores, uma voz que o fazia pensar em lençóis amarrotados, noites longas e quentes.

O velho inclinou-se para a frente, com as mãos unidas na bengala. Os olhos, num azul claro, estavam cheios de gargalhadas e lembranças de outros tempos.

– Tínhamos tentado tudo o que nos ocorreu para afastar John H. da destilaria, mas sem êxito. Tinha uma espingarda de canos recortados, carregada de chumbos, portanto, tínhamos medo de nos aproximar muito. Cada vez que agarrava na espingarda, desatávamos a correr como coelhos…

Robert olhou à sua volta. Apesar do edifício estar a cair aos bocados, o negócio parecia florescer, a julgar pelo número de barcos que estavam ocupados naquele momento. Num tabuleiro, atrás do balcão, estavam as chaves das lanchas e barcos de aluguer, cada uma delas com uma etiqueta e um número.

Virgil continuava a contar a sua história. Evie Shaw atirou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada profunda.

Robert apercebeu-se, de repente, até que ponto se tinha habituado à gargalhada educada e controlada, e como era superficial, comparada com aquela gargalhada franca.

Tentou resistir ao impulso de olhar para ela, mas, para sua surpresa, foi impossível.

Observou-a com uma expressão inescrutável.

Não se parecia em nada com as mulheres que sempre o tinham atraído. Além disso, era uma traidora ou, pelo menos, alguém que participava em espionagem industrial. Tinha intenção de a levar perante a justiça. Mas não conseguia desviar os olhos dela, nem evitar que um calor intenso o envolvesse.

Normalmente, as mulheres que desejava tinham estilo, sofisticação. Eram mulheres bem vestidas, perfumadas e educadas.

A sua irmã, Madelyn, tinha qualificado algumas como manequins, mas ela também se vestia com muita elegância, por isso, o comentário divertiu mais do que irritou Robert.

Evie Shaw não parecia prestar atenção à roupa. Usava uma t-shirt atada na cintura, umas calças de ganga tão velhas que quase tinham perdido a cor e ténis igualmente velhos. O cabelo, que oscilava entre o castanho claro e o loiro, exibia diferentes tons dourados, estava penteado numa trança tão grossa como o pulso dele e dava-lhe pelo meio das costas. Não estava maquilhada, mas a pele não precisava disso.

Como podia brilhar daquela forma? Não era suor, mas dava a estranha impressão de que a luz se sentia atraída por ela, como se focos subtis a iluminassem. A pele bronzeada, num tom dourado, era como cetim. Os olhos eram no tom castanho dourado do topázio escuro.

Sempre tinha gostado de mulheres altas e magras, mas Evie Shaw não media mais de um metro e sessenta, possivelmente, menos. Também não era magra. «Exuberante» e «deliciosa» eram palavras que assolavam a sua mente, ao vê-la.

Apanhado de surpresa pela violência da sua reação, questionou-se se queria fazer amor com ela ou devorá-la, e a resposta imediata a essa pergunta foi um «sim» indiscutível. As duas opções.

Era uma sinfonia de curvas, pura essência feminina. Nada de ancas magras, andróginas; tinha os ossos largos e traseiro firme, redondo. Sempre tinha gostado da delicadeza de uns seios pequenos, mas agora não podia desviar o olhar dos vultos velados pela camisola. Não eram grandes, nem pesados, mas suficientemente cheios para serem tentadores.

Tudo nela estava feito para as delícias de um homem, mas não adorava propriamente a sua reação. Mercer talvez fosse um peão nas mãos dela e não o inverso. Era uma possibilidade que não podia ignorar.

Não só não se parecia em nada com as mulheres a que estava acostumado, como também estava furioso consigo mesmo, por a desejar. Tinha ido ali reunir provas, para a meter na prisão, e isso era algo que não podia esquecer.

Aquela mulher estava metida até ao pescoço no mundo da espionagem e só devia sentir desprezo por ela. Mas, em vez disso, lutava com um desejo físico tão intenso que custava a reprimir. Não queria cortejá-la ou seduzi-la, queria levá-la para a sua «caverna» e possuí-la. Desejava-a e não havia nada de civilizado ou gentil nisso. E aquele desejo era um atentado à sua inteligência, ao seu autocontrolo.

Queria esquecer a atração, mas não podia. Evie Shaw, por sua vez, não só não lhe prestava atenção, como também se mostrava totalmente indiferente perante a sua presença. Podia ser um poste, pois ter-lhe-ia prestado a mesma atenção.

A porta abriu-se e entrou uma rapariga bonita, com calções, sandálias e t-shirt. Sorriu.

– Olá! – e olhou para trás do balcão. – Gostaste da visita? – perguntou ao velhote. – Quem veio hoje?

– Estive muito bem – Virgil levantou-se, com a ajuda da bengala. – Burt Mardis esteve um pouco connosco e os dois rapazes Gibbs também passaram por aqui. Foste buscar as crianças?

– Estão no carro, com as compras – e olhou para Evie. – Desculpa-me por me ir já embora, mas está tanto calor que tenho de guardar a comida antes que se estrague.

– Não te preocupes – replicou Evie. – Adeus, Virgil. Cuida desse joelho, está bem? E volta depressa.

– O joelho já está melhor – assegurou ele. – Ficar velho não é divertido, mas é melhor do que morrer – piscou-lhe o olho e avançou para a porta.